quinta-feira, 26 de março de 2015

"Birdwatching" em pleno coração da cidade de Aveiro!

Prepare-se para um espetáculo de rara beleza, mesmo no coração da cidade de Aveiro. E de graça! 


Não precisa vestir o camuflado e muito menos vir com pezinhos de lã. Apenas necessita de caminhar serenamente como qualquer vulgar transeunte urbano que diariamente ali estaciona o seu automóvel logo pela manhã. Não chegue muito tarde pois o bando abandona o local pelas 8:00h e só começa a regressar novamente por volta das 17:00h. Inicialmente visitantes desconfiados, rapidamente adotaram o antigo barreiro da Fábrica de Cerâmica na Fábrica Jerónimo Pereira Campos para sua residência habitual, todos os dias durante os últimos 5 meses. (entre NOV2014 e ABR2015)

Trata-se de um bando onde já se contaram de mais de 120 garças selvagens (Garça-branca-pequena – Egretta garzetta / Garça-boieira - Bulbuscus ibis) que todas as noites branqueiam o escuro breu a que há décadas está devotada a ferida aberta em crosta terrestre aveirense, apesar do seu convite constante à metafórica viagem às profundidades da criação e da formação destas terras de Averium (termo latino – viveiro de aves natantes - a que se associa a origem da palavra Aveiro).  
O que é facto é que, apesar do inegável potencial urbano, paisagístico, natural, cultural, científico e económico, intrínsecos ao local, esse teima em não querer emergir das profundas águas

Na escarpa ali existente é revelada uma estratificação geológica importante que já mereceu o epíteto de “geomonumento” pelos estudiosos aveirenses. Aí foram ainda referenciados importantes achados - escamas de peixes, fetos, moluscos terrestres e lagunares e vários sinais fossilizados. Ali é hoje avistada uma riqueza ornitológica selvagem, digna de fazer inveja a muitos e dispendiosos zoos urbanos ou até a longínquos destinos turísticos de birdwatching – ali se descobrem: garças-brancas-pequenas, garças-boieiras, garças-reais, patos-reais, patos-marrequinhos, galinhas d’água, bandos de pombos em jornada, rolas, várias espécies de gaivotas, entre muitas outras espécies de identificação mais exigente.


A riqueza e unicidade deste sítio urbano, em termos de património geológico, geomorfológico, paleontológico, e a sua ligação às origens desta terra, bem como ao florescimento da própria cidade que prosperou à custa do barro que foi buscar às suas entranhas, revelam bem toda a sua especificidade que importa explorar e tirar partido em prol da história, da cultura e da economia desta urbe.

Talvez o regresso do imponente bando não tenha acontecido por acaso, e traga consigo missão nobre, a de nos lembrar de um tempo em que as coisas simples davam o nome às terras e aos lugares. Tal como as aves naturalmente deram o nome a Aveiro, a simples e despretensiosa preservação e requalificação do local, desafogando-o do previsto betão e semeando funções compatíveis envolventes, pode constituir uma excelente oportunidade para a criação de um ímpar e atrativo local lúdico e de divulgação, da história, da cultura, da ciência e da biologia aveirenses. A devida integração com os roteiros temáticos e museológicos da cidade e da região e ainda com os equipamentos e serviços a envolvente próxima (alguns a reinventar como a capela de São Tomás de Aquino e as chaminés das cerâmicas perdidas e outros a potenciar como o Hotel Mélia e o Centro Cultural e de Congressos) conferem alguns ingredientes de sucesso, logo à partida.

O Programa Operacional Regional do Centro 2014-2020, prevê a alocação de fundos europeus dirigidos a projetos que afirmem a sustentabilidade dos territórios, onde se incluem iniciativas relativas à conservação e valorização do património natural e cultural. Esperemos que as forças vivas aveirenses, com responsabilidade na matéria, não esqueçam as garças! Espera-se deles também um ar da sua graça, potenciando os recursos endógenos e únicos aveirenses, no aproveitamento sábio dos recursos financeiros disponibilizados pela União Europeia. Urge assim que se materializem novos projetos e soluções, geradoras de atividades multiplicadoras de empregos e integradoras de várias valências locais, podendo o turismo urbano ser um filão a explorar sustentavelmente por Aveiro, por muitos e muitos anos.



Manuel Teixeira (Publicado no Diário de Aveiro em 12 abril 2015)
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico


quarta-feira, 11 de março de 2015

“Dois horários, uma única região”

Dois cidadãos que vivam na área de influência da Comunidade Intermunicipal da Região de Aveiro (CIRA), experimentam desigualdades de vária ordem, das quais importa que se tome uma consciência pública generalizada.

Um exemplo: uma assinatura mensal em transporte público na Linha do Norte pode custar 57% mais, se um cidadão se deslocar de Aveiro para sul, em vez de para norte, os mesmos 28 km, dentro da mesma região.

Outro exemplo: um funcionário público desta mesma região, com exatamente o mesmo perfil laboral (numa autarquia, com igual carreira profissional, competências, funções, vencimento bruto), aufere menos 13% por hora em função da taluda geográfica – dado que sem qualquer outros critérios inteligíveis que não os meramente políticos ou da caprichosa casuística, o trabalho semanal rifa nas 35 horas ou nas 40 horas semanais. Naturalmente que vozes mais astuciosas, dirão que cabe ao governo esclarecer sobre as acidentadas interpretações do assunto, dado que os argumentos e racionalizações usadas são de caráter objetivamente artificioso, particularmente nos campos do direito, da moral e da política, pois são fundados em casos politizados e não em regras gerais e objetivas. Muitos autarcas aplicam as 35 horas tendo em vista favorecer ou resolver o “problema” dos seus restritos funcionários, sem levar em conta o bem coletivo regional ou mesmo nacional.

Em termos práticos, uma coisa é certa, desde que a medida das 40 horas semanais entrou em vigor em agosto de 2013, existem dois trabalhadores na região, iguais, mas com tratamentos desiguais, um já trabalhou desde essa data cerca de 19 meses (a 35h/semana) enquanto o outro teve um agravamento de 14%, equivalendo o mesmo período a 21,7 meses de trabalho (dado que trabalha 40h/semana). Se houvesse alguma razão de natureza gestionária percetível (incentivo à fixação laboral em territórios periféricos, aposta nos serviços públicos específicos, reforço de serviços turísticos alargados, coesão territorial, etc.), o cidadão certamente saberia honrar a determinação de forma respeitosa.

Estes são apenas dois exemplos de desigualdades não expetáveis numa região que se quer moderna e justa, pois não estão intrínsecas a maiores ou menores índices de interioridade decorrentes da localização específica de cada município no território regional, ou qualquer outro critério inteligível. O estranho da situação, reside nas inexplicáveis discrepâncias ocorridas num território que se pretende unitário enquanto entidade geográfica regional e em busca da sua afirmação nacional através de uma identidade e autonomia próprias.

Fica aqui plasmada a esperança de que as mentalidades com responsabilidades governativas, se consciencializem para a evidência de que não poderá haver uma apreensão de uma identidade regional pelos seus cidadãos, enquanto não houver uma ação conjunta e concertada em torno da defesa de desígnios comuns - os quais incluam obrigatoriamente o tratamento igualitário dos seus cidadãos. Nesse sentido, importa romper com uma tradição na qual a região tem sido subserviente de lógicas setoriais nacionais, assumindo uma postura negocial mais forte a nível regional e nacional, isto se a ambição se consubstanciar na sua afirmação enquanto região metropolitana nacional, europeia, solidária, coesa, dinâmica e inovadora.

Manuel Teixeira (artigo publicado no Diário de Aveiro de 10 de Março de 2015)