Hoje, depois de acordar em tumulto, esforcei-me para sonhar acordado, sim, sonhar e acordado, pois a noite, nestas paragens e em tempos de “troika”… pouco mais nos consegue acarrear que insónias ou tenebrosos pesadelos que nos seus laivos mais eufemísticos nos fazem despertar em descrença, fazendo-nos transitar de novo para a insónia.
Assim, pensei que talvez ensaiando um sonho acordado, conseguisse conduzir um enredo a meu gosto, singelo e facilmente compreensível por todos. Para o efeito tentei inspirar-me em assuntos terrenos, não me refiro aos do planeta, mas sim aos desta terra. Passaram-me logo repentinamente muitos pela cabeça, de imediato também vi que a tarefa iria ser deveras laboriosa – como poderei eu conduzir um sonho aprazível se os objetos que se me afiguram logo em primeiro plano são barcos passeando decapitados, matagais centrais sitiados, borrões sarnando comboios, comboios e carreiras fantasma, dispersos cogumelos de betão estouvados na desimpedida planura, uma florescente urbanidade desdentada, florestas em fogo e ruas novas sem árvores ou com pouca saída, parques de automóveis policiados por pedintes, sinalética virtual convidando ao estacionamento selvagem, pontes sem sustentação, pobres faraós pobres, salinas de tons doces e pútridos, entulhadas marinhas, sustentabilidades sem margens…Dado a dimensão da tarefa depressa desisti do fado e encetei por me agarrar ao surreal que desejo para esta e outras tantas terras, a utopia da compreensão das prioridades, das obras, das ações simples, que por todos possam ser inteligíveis, sem descriminações nem de intelecto nem de qualquer outro tipo! Sonhei então com uma ponte sustentável, não por ser erigida de materiais perecíveis, nem pelas nevrálgicas razões económicas, mas apenas e simplesmente por que se sustenta em sólidas margens que manifestamente desejam ser ligadas, onde o autismo quer ir a jogo e o maior dos individualistas também nele quer participar. Mais que a enfatuada avidez por extravagantes invenções de novas rodas, já mais que inventadas, o que urge nos dias de hoje são criativos pactos de regime, participativos e transversais a todos os grupos, nas mais pequenas verdades que apesar de pequenas, se feitas entender por todos, são elas que mais tarde se revelam em grandes valores, pilares estratégicos do futuro das pequenas, grandes sociedades. Neste sonho acordado, vejo as grandes cidades do futuro exibindo as virtudes das mais pequenas aldeias, onde quando os recursos escasseiam, por todos são partilhados, preservados, protegidos e valorizados. Onde a festança é feita com parcimónia e o pelourinho continua a manter a sua função, por todos apreendida... Onde a indiferença jamais se coíbe de chamar à atenção o mais desatento... Onde tanto nas pequenas ações como nas grandes obras o elevado grau de exigência e responsabilidade persiste, pontes para localizações mais justas…!
Manuel Teixeira (Artigo publicado no Diário de Aveiro de 27 de Agosto de 2012)
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