segunda-feira, 27 de fevereiro de 2023

Esta cidade não é para aveirenses!


O típico aveirense sempre foi um cidadão pacato amante dos espaços urbanos airosos e desafogados, envaidecido pela luminosidade da sua cidade onde quase tudo se alcançava a pé, sempre debaixo de generosos contínuos arbóreos. Cidade onde os congestionamentos de tráfego se cingiam aos das antigas passagens de nível, e a falta de sol se sentia apenas à noite. Aveiro sempre foi reconhecida como uma das melhores cidades para se viver em Portugal, tinha tudo o que as grandes cidades tinham, mas com uma capitação mais abundante: espaço, equipamentos, serviços e comércio diversificado, todos de proximidade (hospital, universidade, escolas, parques e jardins, canais, equipamentos desportivos e culturais, comboios, estacionamento, tráfego automóvel fluido, etc.), e todos eles bafejados de maresia de Ria e de ar puro! Somava-se a esta fartura, a paz e o sossego de uma simpática vila grande, onde as relações de vizinhança se confundiam com as de uma aldeia. 
Contudo, nas últimas décadas iniciou-se um processo de urbanização mais acelerado, tendo os últimos responsáveis pelas políticas urbanas confundido desenvolvimento com crescimento e modernidade com (des)identidade! A cidade cresceu em amontoados urbanos, ora sobreconcentrados, ora apinhados de espaços residuais, transformações de multifuncionalidades e de centralidades de outrora em espaços de monofuncionalidade crescente, em deslocalizações periféricas de urbanidade duvidosa, contributos decisivos para uma queda progressiva da qualidade de vida na cidade e nos seus territórios envolventes. 

Confundiu-se renovação com reabilitação, e a mera troca dos antigos e toscos paralelos de granito por luzidias lajes de granito facetado revelou-se não constituir um fator de elevação do nível de vida dos aveirenses. Novamente se confundiu crescimento em gastos com o crescimento do verdadeiro investimento o qual encerra em si mesmo a potenciação de diversos efeitos multiplicadores rumo ao desígnio maior da gestão pública: a otimização dos recursos escassos e o desenvolvimento inclusivo, integrado e sustentável! 

 Tal como por vezes se pergunta às crianças se querem continuar a crescer, devia ser perguntado aos aveirenses se querem ver a sua cidade a continuar a crescer! Crescer, rumo à infernização das suas vidas, e da dos seus netos..., ou, se em alternativa, ambicionam nunca mais crescer e manter a qualidade de vida que ainda resta! Não sendo o crescimento sinónimo de desenvolvimento, os aveirenses deverão despertar para a necessidade de se insurgirem contra a venda de património comum que ainda sobra no Centro da Cidade e que contribui para que a densidade urbanística no centro se mantenha harmonicamente e diferenciadoramente baixa! A venda dos terrenos e das piscinas municipais, do pavilhão do Beira-Mar, a demolição do estádio do Beira-Mar, e agora a venda do estacionamento do autocarro-bar, tudo com o objetivo de erigir nesses espaços edifícios, não para benefício da cidade e de todos os seus utilizadores, mas antes para benefício de alguns (poucos...), constitui um ato de autofagia aveirense que através de uma atitude alheada e generalizada vai legitimando a atuação dos (i)responsáveis por estas políticas urbanas lesa-pátria aveirense!

 O desaparecimento das áreas livres do Plano de Pormenor do Centro e do maior lote de estacionamento planeado que existia no município, revela a inexistência de qualquer visão de conjunto em matéria de mobilidade urbana na cidade. Estes desaparecimentos, agravarão o dia-a-dia das deslocações urbanas aveirenses (quiçá para "melhor" rentabilizar o negócio do estacionamento subterrâneo do Rossio e do Mercado Manuel Firmino, já entregues a privados), tudo isto complementado com uma insuficiente e frágil oferta transportes coletivos tão necessários para a defesa da qualidade de vida nas grandes cidades! A pergunta que se coloca é a de que legado querem os aveirenses deixar às futuras gerações?! Um território fluido e harmónico, de baixas densidades, e de complementaridades com periferias reconhecidas pelas suas diferenças identitárias, ou um território de pontuações ultra-densificadas ao sabor do arbítrio dos especuladores imobiliários e de outros interesses, que nem sequer são aveirenses...? Um território de agradáveis transições suaves e harmónicas entre o espaço urbano e o espaço rural, entre o central e o periférico, ou um território para o qual caminhamos onde surgem densidades sem capitações conhecidas, sem fundamentações inteligíveis, no fundo revelando carência de estratégia geral para a cidade e para o concelho, sem qualquer tentativa da promoção de uma visão de equilíbrio e de conjunto. 

 A revisão do Plano do Pormenor do Centro, em pleno coração do centro da Cidade de Aveiro encontra-se presentemente na fase final da sua revisão e em período de "Discussão Pública". 

 Serve o presente artigo para instigar os aveirenses a conhecerem e pronunciarem-se sobre os documentos e sobre o destino do coração da cidade, dada a parcimônia dos responsáveis em divulgar o processo de forma veemente e alargada! 

 A Discussão Pública, a decorrer, nos termos do Edital n.º 25/2023, de 10 de fevereiro a 01 de março, reúne os elementos da proposta do plano na ligação abaixo e "podem ainda ainda ser consultados de segunda a sexta-feira das 8h30 às 16h30 no Gabinete do Atendimento Integrado da Câmara Municipal de Aveiro e de terça-feira a domingo das 10h00 – 12h30 e das 13h30 – 18h00, no Museu Cidade de Aveiro". 

 Ligação/link:

 Poderão alguns acusar o presente artigo de retórico e com laivos de saudosismos filosóficos, para esses relembro as muitas linhagens de professores da Escola Secundária Homem Cristo - “o primeiro edifício de raiz em Portugal feito para albergar uma escola secundária”- ensinaram por anos que as gerações vindouras aveirenses teriam sempre melhores condições de vida que as dos seus pais e dos seus avós, jamais visionando o retrocesso civilizacional em curso! 

 Manuel Teixeira, (Aveirense, urbanista, mestre em Planeamento e Projeto de Ambiente Urbano)
Publicado no Diário de Aveiro de 21 de fevereiro de 2023
 (Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico)

domingo, 16 de janeiro de 2022

Aveiro à espera das próximas cheias?


No passado dia 20 de dezembro de 2019, aconteceu o impensável em Aveiro! E para inquietação geral já lá vão dois anos e nada se fez, nem tão pouco se pensou para resolver o grave problema ou minimizar a grande probabilidade deste voltar a ocorrer com frequência!

Foto de 20-12-2019 - TVI

Aveiro, cidade capital de distrito e de região, esteve isolada de norte durante mais de 4 horas em de 20 de dezembro de 2019 (1), como consequência da subida das águas do Vouga que alagou duas vias rodoviárias de crucial importância para a região. A inundação da A25 (Autoestrada das Beiras Litoral e Alta) e da EN-109 (Estrada Nacional n.º109 / Estrada da Costa da Prata), resultou nos seus cortes ao trânsito e no congestionamento de todo o tráfego na rede rodoviária conectada envolvente por longas horas, resultando em transtornos e prejuízos múltiplos na região.

Imagem de 20-12-2019 - 19:00h - Google Maps

O assunto, que deveria ser delicado para os responsáveis, parece intencionalmente esquecido quando as atenções municipais e regionais se voltam para obras não prioritárias e despesistas, algumas das quais que podem inclusivamente vir a agravar ainda mais o problema. Veja-se a construção da “Ponte-Açude do Rio Novo do Príncipe” em Cacia, a qual “tem passado por muitas dificuldades ao nível do licenciamento ambiental” (2), esta não leva em consideração os possíveis efeitos agravantes aos já existentes gerados pelas estradas com efeito de dique durante os períodos de grandes cheias do Vouga na zona entre Cacia e Angeja (A25 e EN-109).


Mapa altimétrico do Baixo-Vouga e estradas de atravessamento sobre aterro (EN209 e A25).


É amplamente sabido pelos habitantes do Baixo-Vouga que os aterros ambientalmente criminosos feitos na construção da A25, vieram criar problemas inexistentes, aumentando os níveis de cheia a montante e consequentes prejuízos não só às habitações das zonas mais baixas de Taboeira e Angeja (sem anterior historial de cheias), mas também em muitas atividades económicas da capital do distrito e da região! A promessa da Barragem de Ribeiradio não valeu de coisa alguma(3), e com a nova obra agora anunciada, o problema pode vir a agravar-se ainda mais!

Segundo informação pública, a construção da nova ponte-açude tem como objetivo “travar o avanço da cunha salina e assegurar a disponibilidade de água doce para fins industriais“(4), contudo parece esquecer tudo o resto! Não se conhecem estudos sobre os impactos que as estradas com efeito-dique A25 e EN-109 tiveram no avanço da cunha salina desde a sua construção, os quais poderiam vir a revelar a existência de melhores soluções alternativas para o problema. À luz das melhores práticas de engenharia (já antigas) e das leis vigentes, estas duas rodovias construídas sobre aterro já deveriam ter obrigado a equacionar-se urgentes obras de generoso aumento das passagens hidráulicas em toda a extensão dos aterros que foram executados sobre zona inundável! Tal intervenção tornaria possível reduzir os danos ambientais presentes e eliminar futuras inundações e cortes destas vias estruturantes e vitais da região, e ainda melhorar o “espraiamento” da água doce das cheias em toda a extensão do Baixo-Vouga a jusante destas duas barreiras.

As repetidas notícias de projeções científicas que alertam para que as inundações e outros eventos extremos vão aumentar nas próximas décadas de forma "sem precedentes" em magnitude, frequência, localização ou época, não têm colhido uma responsável atenção dos políticos da região! Será que na região de Aveiro apenas se tomarão verdadeiras medidas, quando uma catástrofe de magnitude inesperada ocorrer?! Será mesmo necessário acontecer alguma fatalidade?!

Esperemos que não seja necessário haver mortes para ser anunciada uma candidatura aos cerca de 14 mil milhões de euros da “bazuca europeia” que vão ser distribuídos por vários projetos em Portugal, para uma obra correção hidráulica e ambiental para o Baixo-Vouga nas “estradas-dique” A25 e EN-109, e que seja apenas a esperança a única a morrer...!


Referências:
(1) www.cm-aveiro.pt/municipio/comunicacao/noticias/noticia/mau-tempo-acessos-cortados
(2) www.diarioaveiro.pt/noticia/77695
(3) www.diarioaveiro.pt/noticia/52168
(4) zero.ong/construcao-de-novo-acude-no-rio-vouga-nao-preve-passagem-para-peixes-e-coloca-em-risco-a-conservacao-de-peixes-migradores/


Manuel Teixeira, urbanista
(mestre Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano)




Publicado no Diário de Aveiro de 13 de janeiro de 2022
(Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico)


segunda-feira, 2 de setembro de 2019

Uma cave acima do solo


Foto de arquivo do Rossio inundado.

Os princípios elementares da “precaução” e da “responsabilidade” devem orientar primordialmente todas decisões públicas sobre atividades que fazem “uso de recursos comuns” ou que venham a ser objeto de utilização pública ou coletiva. Os princípios em causa ganham importância maior na avaliação de decisões, sempre que, e ainda que incertos, os seus resultados possam conduzir a prejuízo material, humano ou moralmente inaceitável, obrigando por conseguinte a ações para o evitar ou na sua impossibilidade para o diminuir.

A própria ação da proteção civil também se subordina a semelhantes princípios especiais: o “princípio da prevenção”, por força do qual “os riscos de acidente ou de catástrofe devem ser considerados de forma antecipada”, de modo a eliminar as próprias causas; e o “princípio da precaução”, de acordo com o qual se devem adotar medidas de diminuição do risco de acidente ou catástrofe inerente a cada atividade, associando a presunção de imputação de eventuais danos e responsabilidades à mera violação daquele “dever de cuidado”.

A aplicação do “princípio da precaução” ganhou nas últimas décadas um reconhecimento doutrinal internacional generalizado e começou a receber consagração mais frequente em instrumentos do Direito e do Urbanismo.
Não foi assim recente, nem por acaso, que no mundo em geral e em Portugal em particular, se fizeram aprovar leis para acautelar os riscos de várias naturezas, passando a Água a ter um relevante papel condicionante nas intervenções urbanísticas.

Em Portugal a Lei da Água (1) consagra, entre vários, o princípio da precaução e o da prevenção, e estabelece ainda várias medidas de proteção contra cheias e inundações. Destas medidas destacam-se três: 1- “constituem zonas inundáveis ou ameaçadas pelas cheias as áreas contíguas à margem dos cursos de água ou do mar que se estendam até à linha alcançada pela maior cheia com probabilidade de ocorrência num período de retorno de um século.” 2- “as zonas inundáveis ou ameaçadas pelas cheias devem ser objeto de classificação específica e de medidas especiais de prevenção e proteção, delimitando-se graficamente as áreas em que é proibida a edificação e aquelas em que a edificação é condicionada, para segurança de pessoas e bens”; 3- “na ausência da delimitação e classificação das zonas inundáveis ou ameaçadas por cheias, devem os instrumentos de planeamento territorial estabelecer as restrições necessárias para reduzir o risco e os efeitos das cheias, devendo estabelecer designadamente que as cotas dos pisos inferiores das edificações sejam superiores à cota local da máxima cheia conhecida.”

Na zona baixa da cidade de Aveiro, tal delimitação gráfica das zonas inundáveis é assegurada pelo Plano de Urbanização do Programa Polis em Aveiro (PUPolisAveiro) (2) o qual abrange o Rossio de Aveiro. Este impõe no seu regulamento que, todas as edificações propostas para estas áreas inundáveis tenham uma “cota de soleira igual ou superior à cota geodésica 2,4 m”. Tal imposição jurídica torna tecnicamente impossível construir legalmente qualquer cave na zona da Beira-mar e no Rossio, a menos que esta, com a muita imaginação arquitetónica, seja executada “acima do solo”!

Importa ainda sublinhar que as cheias não se erradicam por decreto, ou por falta dele, pelo que, como é evidente, qualquer revogação do PUPolisAveiro não elimina a condicionante natural e legal em causa, a menos que se avance para graves atropelos aos princípios legais e doutrinais referidos atrás, bem como ao já bem consolidado saber técnico-científico vigente!

Impunha-se assim, para efeitos de defesa da transparência na Administração Pública Local, que fossem publicamente apresentados os fundamentos jurídicos, técnicos e científicos das decisões que estiveram na base do Ajuste Direto da “Elaboração do Projeto de Execução Para a Requalificação do Largo do Rossio e Praça General Humberto Delgado, em Aveiro” pelo valor não desprezível de 384.979,00 € (3), dado ser sabido previamente não ser legal concretizar um dos seus maiores objetivos (nomeadamente a construção de um parque de estacionamento automóvel em cave), sabendo-se inclusivamente que tal objetivo pode vir a nunca observar tal qualidade, se os organismos tutelares forem zelosos nas suas obrigações técnicas, legais e científicas, e ainda na prossecução do interesse público.

Se a cautela e ponderação cuidada já se impunham por todos os motivos apontados, atualmente, com as recentes e irrefutáveis evidências científicas de agravamento destes riscos em função do aumento da Temperatura Média Global (SR5 - IPCC, 2018) (4), caves ou mesmo novas edificações em zonas historicamente inundáveis deveriam ser automaticamente e logicamente descartadas.

Segundo a conclusão de um estudo, publicado na PNAS (5), que tem por base a análise de 25 anos de dados de satélite, o valor da taxa anual de subida do nível das águas do mar – de cerca de três milímetros por ano – poderá vir a triplicar para mais de 10 milímetros por ano até 2100, podendo segundo a União Europeia ocorrer sérias complicações futuras nas cidades costeiras.


Capa da revista Time de junho de 2019.

Concluindo, e se ainda houver espaço e tempo para eufemismos, que se procure então tranquilizar de algum modo os aveirenses sobre os riscos inerentes a uma obra despesista, não prioritária e em nada consensual: importa assim elucidar-se publicamente sobre quais os meios a acionar em caso de inundação futura da cave de estacionamento - isto se esta vier ininteligivelmente a ser construída; quais as medidas de segurança garantidas pelos responsáveis técnicos e políticos da decisão, e qual a entidade a quem dirigir os pedidos de indemnização, pelos possíveis danos resultantes, de probabilidades nada desprezíveis.

Se, como aconteceu nas recentes décadas passadas (ver fotos de arquivo), o Rossio vier a ser novamente objeto de retorno de cheias (período retorno de 20 anos segundo a Agência Portuguesa do Ambiente) (6), estas agora inundarão muito além do piso térreo, e quiçá o elevado intelecto aveirense também venha a acordar encharcado…!


Foto de arquivo do Rossio inundado.
 
Referências:

Publicado no Diário de Aveiro de 17 de agosto de 2019.
(Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico)

quinta-feira, 7 de junho de 2018

O Trote do Rossio



A força do tempo e a evolução tecnológica calaram, desde há muito, o trote dos equinos que chegavam e partiam do Rossio aveirense e que se faziam ecoar ali nas águas do Canal Central. Talvez os cagaréus já tenham esquecido que as originais funções do Rossio aveirense, entretanto deram lugar a outras mais nobres, nomeadamente as de icónico jardim urbano e central da cidade de Aveiro. Um lugar propício ao encontro, convívio e estadas prolongadas, e já dono dos melhores índices de atratividade da cidade, em muito devidos ao conforto térmico e cénico conferido pelas frondosas palmeiras, pelas abundantes árvores e arbustos, e pelas suas sombras que se projetam sobre os fastuosos relvados, veludos verdes que convidam aveirense e visitantes a deitar-se e deleitar-se embalados pela incessante brisa perfumada a maresia das águas da Ria, tão dominante, tão presente. Forças vivas desta terra ambicionam, porém, mudar tão icástico postal. Os tempos modernos parecem querer fazer reavivar à força a memória aos aveirenses, contrariando os paradigmas urbanísticos do futuro, e trazendo o antigo terreiro de volta, espaço amplo que se destinava aos viajantes deixarem os seus cavalos, machos, mulas e burros convenientemente atados, enquanto seguiam para a cidade aos seus negócios. Simplificando a imagem, o rossio está para os cavalos de antigamente como os parques de estacionamento estão atualmente para os automóveis.
 
Talvez tudo não passe de um simples trote que se queira passar aos aveirenses, provação para que estes saibam verdadeiramente valorizar o que já está bem feito, preservando o legado, o seu património, e dirigindo antes as novas sinergias para onde, ainda tudo ou quase tudo está por fazer, na envolvente próxima, do outro lado do canal, na zona da Lota, na Cidade, no Concelho – sem nunca esquecer a urbanidade fustigada e degradada das ruas nas freguesias periféricas, industriais e rurais. 



Serão os aveirenses tão nostálgicos ao ponto de querer trocar o identitário jardim aveirense pelo árido terreiro há muito desaparecido, espaço igual a tantos outros de outras cidades para outro tipo de trote ou para equinos mais modernos? Eis a questão! 



É com esperança redobrada no futuro e com orgulho neste grande jornal da nossa terra – o Diário de Aveiro - que mais uma vez vemos a cidade depositar-lhe a sua confiança! O apurado sentido da informação isenta e a sua grande capacidade de dar voz a tamanha diversidade de opiniões, é contributo ímpar para o envolvimento dos cidadãos na reflexão e discussão das grandes questões da cidade de Aveiro e da região. Uma uma cidade bem informada e mais participada será certamente uma cidade mais competente, mais consensual, mais inclusiva e, por fim, melhor construída.

(Publicado - sem fotos -  no Diário de Aveiro de 7 de junho de 2018)
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico

Manuel Teixeira


sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Latas de Sardinha em Aveiro, para combater o frio…




Não fosse a massa de ar frio de frio siberiano que se aproxima de Aveiro nas próximas semanas e poucos pontos positivos se retirariam da nova moda aveirense, que ambiciosamente, para se alinhar às regiões metropolitanas, passou a ensardinhar aveirenses nas suas carreiras mais concorridas… bem juntos e quentinhos, não vá o apelante fantasma da dívida obrigar a mais cortes, agora na chauffage.

Aveiro, enquanto ousada capital de distrito e permanente candidata a referência regional, carecia de uma solução - desculpem o inevitável pleonasmo - no mínimo, minimamente integrada!
Para que tal acontecesse, seria necessário conhecer a fundo o problema e intervir de forma devidamente abrangente, sem esquecer nenhum modo de transporte, hábitos e cultura dos passageiros, e, sobretudo a necessidade de envolvimento e participação de todos os agentes na construção da solução (ampla participação pública – desejavelmente anterior às decisões consumadas). Trabalhadores, motoristas e técnicos também deveriam ter uma palavra relevante, isto apenas para o bem das desconhecidas “carreiras clandestinas”, recentemente reconhecidas terem estado em funcionamento…!
Não se pode nem se deve mudar de forma tão “brutal” um serviço público de transporte rodoviário de passageiros no município de Aveiro, sem se conhecer como todo o sistema de transportes funciona no seu todo, e mais, nem se perceber para onde se quer orientar de forma congregada esse mesmo todo...! Alterações em sistemas complexos obrigam a planeamento sustentado e a implementações programadas desejavelmente de forma progressiva e faseada.
Infelizmente, parece que foram deslumbrados euros e, a par, deslembrados documentos técnicos recentes promovidos, meritoriamente, pela própria autarquia (Plano Intermunicipal de Mobilidade e Transportes da Região de Aveiro e Plano Municipal de Mobilidade de Aveiro) e suas conclusões que advogam o reforço de soluções interconcelhias, multimodais e verdadeiramente promotoras dos meios de transporte suaves não poluentes (pedonal e ciclável), e ainda, a potenciação dos mal avaliados modos de transporte público de massas que quase apenas "atravessam" o município (linhas férreas, do Norte e do Vouga), deixando à sua passagem densamente povoados territórios por servir - e múltiplos efeitos multiplicadores por rentabilizar. Não devemos ainda esquecer a necessidade do alargamento e “difusão da hora de ponta”, com sensata e equilibrada flexibilização dos horários laborais (ao contrário de medidas irracionais e contraditórias recentes que acotovelam todos para uma mesma e única carreira e para um mesmo minuto de entrada, amplamente incompatível com os horários disponíveis dos transportes públicos…). Falta também a atuação fiscalizadora efetiva dos abusos da mobilidade motorizada individual que se enraíza e aprofunda cada vez mais na cidade, mas bem à vista de todos - estacionamento irregular caótico, verdadeiramente amigo da proliferação da utilização do transporte individual motorizado, promovendo a “elefantização branca” dos grandes investimentos em parqueamento subterrâneo da cidade).
Contraditoriamente ou não..., resultados frescos, fazem desconfiar que apenas se almeja o negócio, e o serviço público de transporte rodoviário vai dando, pouco a pouco, lugar a um lucrativo serviço privado de transporte rodoviário excedentário em promessas de sucessos financeiros, mas deficitário em solidariedade social e em coesão territorial, num município que, à imagem do país, parece que é cada vez mais centro e que o resto apenas paisagem…
Talvez este “brutal” solavanco sentido nos autocarros tenha como efeito colateral benéfico, pregar um susto aos aveirenses, que lhes permitam futuras decisões… mais informadas, mais democráticas, mais respeitadoras e, no final, garantidamente mais respeitadas!



(Publicado - sem cartoons -  no Diário de Aveiro em 20 de Janeiro de 2017)
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico

Manuel Teixeira

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

“O contador de almas”


Na região de Aveiro continua-se a assistir a um apetite voraz por novos residentes, que quase parece querer fazer esquecer os resultados ruinosos da bolha imobiliária tão recentemente ocorrida e as consequências daí advindas para a economia em geral e para cidadãos e empresas em particular. 
Decisores e licenciadores, teimam em não aprender com os erros do passado recente que estiveram na origem da atual dispersão e fragmentação irracional dos espaços urbanos da região e que geraram deseconomias para as muitas gerações vindouras, criando excedentes e também custos elevados de exploração e de manutenção de infraestruturas e equipamentos.
De acordo com o Instituto Nacional de Estatística (INE), uma das patologias que afeta o território nacional – e que se manifesta também na nossa região - é o sobredimensionamento das redes de equipamentos e de infraestruturas, com os custos desmesurados que lhes estão associados e sem correspondência com as necessidades reais determinadas pela estrutura demográfica. Contudo os excessos não se ficaram pelos sistemas urbanos, também se traduziram em excesso de edificado para habitação, comércio e serviços, para os quais falta a procura, o mercado e naturalmente as gentes que lhes deem, pelo menos, o mínimo uso.


Este assumido flagelo da regressão demográfica, apesar de já integrar as preocupações técnicas de várias áreas do saber científico - como se pode observar, por exemplo, em projeções demográficas de 2014 do INE para Portugal –, ainda teima em resistir a entrar nos discursos políticos municipais sobre a forma de medidas de ação concretas, devidamente materializadas no terreno. Assiste-se, ainda nos dias de hoje, a decisões e licenciamentos que põem em causa a equilibrada distribuição das cargas urbanas sobre o território, a preservação do património, e uma justa e igualitária redistribuição territorial dos benefícios económicos decorrentes do insaciável apetite pela densificação dos centros urbanos já consolidados – nomeadamente através de processos de regeneração e reabilitação urbana “economicamente viáveis”.
Fonte: INE, 2014 – população residente.
As projeções demográficas avançadas para Portugal pelo INE, têm símile em todo o país, não ficando sequer a salvo do recuo demográfico as cidades médias e os municípios urbanos do litoral, habituadas a secar demograficamente as regiões rurais periféricas e interiores que gravitam na sua área de influência - com a mais branda complacência de governantes e respetivas políticas territorialmente pouco solidárias, e castradoras do caduco dever constitucional que advoga promoção da coesão de todo o território nacional.

Veja-se como exemplo, o concelho sede de distrito e polarizador da região de Aveiro. Este perdeu segundo dados do INE, em apenas quatro anos, entre 2010 e 2014, cerca de 1.528 habitantes (população residente), tendo no entanto sido construídas em igual período mais 1.126 habitações (alojamentos familiares clássicos)! A necessidade de crescimento do número de casas, nos últimos anos era explicada pelo crescimento populacional, pela necessidade de renovação do parque habitacional, e também, pelo crédito ao desbarato... Contudo, atualmente o número de 1,85 habitantes por alojamento (em 2014 no concelho de Aveiro) constitui um preocupante valor que se traduz cumulativamente em mais casas vazias ou devolutas, famílias mais pequenas ou mais fraturadas, menos irmãos, ou ainda, pessoas a viver mais sós.

Não sendo certamente este o caminho que se ambiciona para os nossos núcleos urbanos, procura-se com o presente artigo sensibilizar os responsáveis dos municípios da região para esta preocupante problemática, no sentido de se tomarem muitas medidas possíveis, também ao nível local, as quais devolvam as perdidas perspetivas aos jovens casais, a qualidade de vida às famílias, a compatibilização das modernas exigências da paternidade com o trabalho, etc.


Independentemente da necessidade de se implementar tais medidas - que também já tardam -, verdadeiramente promotoras da família, da natalidade e da imigração – qualificada e não predadora dos territórios periféricos e interiores -, urge repensar a política urbanística a encetar para o futuro, a qual tenha por base a racional adequação de planos e projetos urbanísticos, aos reais quantitativos populacionais sustentadamente expectáveis no curto e no médio prazos.

Para muito pesar dos empreendedores do imobiliário, os tempos do el dourado habitacional, da explosão demográfica do século XIX, não voltam. Se a farsa mal encenada e rusticamente afigurada pelos governantes já em campanha, a que chamam retoma, nos trouxer os devaneios económicos e territoriais de volta, apenas a aposta num contador de almas idas, nos pode salvar do inexato destino de tantas casas por ocupar, tantas lojas por arrendar, tantos escritórios por vender e tantos “lotes” infraestruturados por preencher...


(Publicado - sem cartoons -  no Diário de Aveiro em 17 de Agosto de 2015 )
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico

Manuel Teixeira

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Movimento temporário de pessoas

Em Aveiro, o turismo ainda continua a ser, mais um movimento temporário de pessoas, do que o seu estado de permanência, desejavelmente prolongado.


Para facilmente se perceber a dimensão destas palavras, basta escolher apenas três operadores marítimo-turísticos ao acaso da dezena que se encontra a laborar nos canais da cidade, e, experimentar-se fazer as três viagens numa mesma tarde.

Espante-se! – quase parece que se visitou três cidades diferentes em menos de três horas…

Ouvem-se, desde as mais belas e inspiradas descrições semânticas da paisagem urbana que dali se vislumbra, até aos mais bizarros trechos narrativos dignos dos melhores filmes de ficção, laboriosamente dobrados em vários idiomas, onde não falta sequer o mais regional e retinto vernáculo – marnotos e varinas em versão moderna, alguns importados, verdadeiros autodidatas da polifonia, genuínos retóricos da Ria, da Cidade, da sua História e, sobretudo, das suas estórias.
Abstenho-me de aqui reproduzir “algumas das mais belas passagens”, ora para não estragar o efeito surpresa daqueles que ainda não navegaram na experiência, ora para não ferir, eventualmente, a suscetibilidade de quem tão genuinamente as proferiu, candidamente convicto de majestoso serviço prestado à cidade e à região.

Esta jocosa viagem fluvial, não deixa de ao mesmo tempo, navegar em tragédia, pois estas gentes dão o que de melhor que têm, sem porém conhecerem a verdadeira dimensão do que podem fazer pela sua terra e região, isto, se devidamente munidos de verdadeiros lemes que lhes orientem sábio discurso, não para erráticas águas, mas para um mesmo rumo comum, culminante em porto seguro de bonança e fartura duradouras.
Falo da necessidade urgente das entidades com competências na matéria promoverem a redação de um criterioso discurso-guia que valorize condignamente (e economicamente) as viagens, a ser seguido com rigor pelos guias dos vários operadores! Associado, deverão ser promovidas as respetivas ações formativas - a regulação não pode ficar só pelas taxas e concessões, há serviço a prestar à comunidade, a bem da sua economia e das suas gentes!

Um destino que tanto tem para oferecer, continua emaranhado em efémeros panfletos, desdobráveis e sites intermitentes, resultantes das boas vontades, dos louváveis esforços de instituições e das forças vivas da terra, que tão laboriosamente lutam contra a pouco expedita “governação articulada” de tão vasta oferta. Será que o Turismo do Centro e o Aveiro Welcome Center se olham entre margens do Canal Central como que cagaréus e ceboleiros desavindos, quiçá à espera conciliar esforços e inovações para uma década vindoura?

A congregação esforços e competências de articulação, de âmbito regional e municipal, numa única estrutura (eventualmente participada por vários organismos), deveria constar das reclamações dos aparentemente pouco exigentes agentes económicos, no sentido de se ambicionarem políticas turísticas locais sustentáveis e inovadoras, orientadas para uma maior valorização da exploração dos recursos existentes, devidamente integrada, em prol da geração de maiores efeitos multiplicadores, tão desejados.

O investimento que urge, não é de grande monta, e tão pouco de pouco betão! Ainda muito falta à visão, à estratégia, à produção de conteúdos - “os verdadeiramente úteis”-, aos procedimentos rotineiros de atualização desses conteúdos, e à mais da elementar formação profissional dos agentes – “prática e cirurgicamente orientada”!

Se institucional vontade houvesse, Aveiro poderia mesmo vir a ambicionar ter um “posto de turismo flutuante”, em cada uma das embarcações típicas da Ria de Aveiro dedicada aos passeios turísticos e em cada trabalhador um verdadeiro embaixador do turismo local e regional – divulgando criteriosamente a história, o património e todos os outros atrativos, aos cerca de 200 milhares (2012) de turistas anuais, que atualmente saem das embarcações sem a devida noção do quanto mais ainda há para visitar na região (praias, parques de natureza, paisagens, caves vínicas, gastronomias, termas, museus, património artístico, arquitetónico, religioso e arqueológico, etc.).

Também a integração da bilhética turística – incluindo bilhética de grupo e de operadores turísticos - deverá constituir outra ambição prioritária, promovendo descontos crescentes em função do número de atrações turísticas visitadas na região. Se tal se vier a concretizar, a cidade e a região de Aveiro poderão ganhar mais tempo de estadia dos seus turistas, garantindo mais umas horas para adicional almoço, jantar ou dormida... O turismo, os seus empreendedores, os seus trabalhadores, a cidade e a região, todos ganharão.



Por fim, se nos lembrarmos que “combater a sazonalidade e aumentar a estadia média constituem desafios institucionais para o turismo na nossa região”, porque não começar a ponderar-se a criação de uma doca de embarque coberta (ou a revitalização para o efeito da que fica junto ao Cais do Paraíso e que se encontra em estado avançado de degradação), devidamente associada a um design adequado para barcos panorâmicos cabinados renderem os mais típicos (entre outras soluções), durante a longa e chuvosa invernia?

Quem sabe no futuro, o “movimento temporário de pessoas” venha dar lugar a uma verdadeira “demorada estadia temporária de pessoas”, na nossa cidade e na nossa região…!

(Publicado no Diário de Aveiro em 25 de Julho de 2015)
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico

Manuel Teixeira,
23 Julho 2015