O típico aveirense sempre foi um cidadão pacato amante dos espaços urbanos airosos e desafogados, envaidecido pela luminosidade da sua cidade onde quase tudo se alcançava a pé, sempre debaixo de generosos contínuos arbóreos. Cidade onde os congestionamentos de tráfego se cingiam aos das antigas passagens de nível, e a falta de sol se sentia apenas à noite.
Aveiro sempre foi reconhecida como uma das melhores cidades para se viver em Portugal, tinha tudo o que as grandes cidades tinham, mas com uma capitação mais abundante: espaço, equipamentos, serviços e comércio diversificado, todos de proximidade (hospital, universidade, escolas, parques e jardins, canais, equipamentos desportivos e culturais, comboios, estacionamento, tráfego automóvel fluido, etc.), e todos eles bafejados de maresia de Ria e de ar puro! Somava-se a esta fartura, a paz e o sossego de uma simpática vila grande, onde as relações de vizinhança se confundiam com as de uma aldeia.
Contudo, nas últimas décadas iniciou-se um processo de urbanização mais acelerado, tendo os últimos responsáveis pelas políticas urbanas confundido desenvolvimento com crescimento e modernidade com (des)identidade! A cidade cresceu em amontoados urbanos, ora sobreconcentrados, ora apinhados de espaços residuais, transformações de multifuncionalidades e de centralidades de outrora em espaços de monofuncionalidade crescente, em deslocalizações periféricas de urbanidade duvidosa, contributos decisivos para uma queda progressiva da qualidade de vida na cidade e nos seus territórios envolventes.
Confundiu-se renovação com reabilitação, e a mera troca dos antigos e toscos paralelos de granito por luzidias lajes de granito facetado revelou-se não constituir um fator de elevação do nível de vida dos aveirenses. Novamente se confundiu crescimento em gastos com o crescimento do verdadeiro investimento o qual encerra em si mesmo a potenciação de diversos efeitos multiplicadores rumo ao desígnio maior da gestão pública: a otimização dos recursos escassos e o desenvolvimento inclusivo, integrado e sustentável!
Tal como por vezes se pergunta às crianças se querem continuar a crescer, devia ser perguntado aos aveirenses se querem ver a sua cidade a continuar a crescer! Crescer, rumo à infernização das suas vidas, e da dos seus netos..., ou, se em alternativa, ambicionam nunca mais crescer e manter a qualidade de vida que ainda resta!
Não sendo o crescimento sinónimo de desenvolvimento, os aveirenses deverão despertar para a necessidade de se insurgirem contra a venda de património comum que ainda sobra no Centro da Cidade e que contribui para que a densidade urbanística no centro se mantenha harmonicamente e diferenciadoramente baixa! A venda dos terrenos e das piscinas municipais, do pavilhão do Beira-Mar, a demolição do estádio do Beira-Mar, e agora a venda do estacionamento do autocarro-bar, tudo com o objetivo de erigir nesses espaços edifícios, não para benefício da cidade e de todos os seus utilizadores, mas antes para benefício de alguns (poucos...), constitui um ato de autofagia aveirense que através de uma atitude alheada e generalizada vai legitimando a atuação dos (i)responsáveis por estas políticas urbanas lesa-pátria aveirense!
O desaparecimento das áreas livres do Plano de Pormenor do Centro e do maior lote de estacionamento planeado que existia no município, revela a inexistência de qualquer visão de conjunto em matéria de mobilidade urbana na cidade. Estes desaparecimentos, agravarão o dia-a-dia das deslocações urbanas aveirenses (quiçá para "melhor" rentabilizar o negócio do estacionamento subterrâneo do Rossio e do Mercado Manuel Firmino, já entregues a privados), tudo isto complementado com uma insuficiente e frágil oferta transportes coletivos tão necessários para a defesa da qualidade de vida nas grandes cidades!
A pergunta que se coloca é a de que legado querem os aveirenses deixar às futuras gerações?! Um território fluido e harmónico, de baixas densidades, e de complementaridades com periferias reconhecidas pelas suas diferenças identitárias, ou um território de pontuações ultra-densificadas ao sabor do arbítrio dos especuladores imobiliários e de outros interesses, que nem sequer são aveirenses...? Um território de agradáveis transições suaves e harmónicas entre o espaço urbano e o espaço rural, entre o central e o periférico, ou um território para o qual caminhamos onde surgem densidades sem capitações conhecidas, sem fundamentações inteligíveis, no fundo revelando carência de estratégia geral para a cidade e para o concelho, sem qualquer tentativa da promoção de uma visão de equilíbrio e de conjunto.
A revisão do Plano do Pormenor do Centro, em pleno coração do centro da Cidade de Aveiro encontra-se presentemente na fase final da sua revisão e em período de "Discussão Pública".
Serve o presente artigo para instigar os aveirenses a conhecerem e pronunciarem-se sobre os documentos e sobre o destino do coração da cidade, dada a parcimônia dos responsáveis em divulgar o processo de forma veemente e alargada!
A Discussão Pública, a decorrer, nos termos do Edital n.º 25/2023, de 10 de fevereiro a 01 de março, reúne os elementos da proposta do plano na ligação abaixo e "podem ainda ainda ser consultados de segunda a sexta-feira das 8h30 às 16h30 no Gabinete do Atendimento Integrado da Câmara Municipal de Aveiro e de terça-feira a domingo das 10h00 – 12h30 e das 13h30 – 18h00, no Museu Cidade de Aveiro".
Ligação/link:
Poderão alguns acusar o presente artigo de retórico e com laivos de saudosismos filosóficos, para esses relembro as muitas linhagens de professores da Escola Secundária Homem Cristo - “o primeiro edifício de raiz em Portugal feito para albergar uma escola secundária”- ensinaram por anos que as gerações vindouras aveirenses teriam sempre melhores condições de vida que as dos seus pais e dos seus avós, jamais visionando o retrocesso civilizacional em curso!
Manuel Teixeira,
(Aveirense, urbanista, mestre em Planeamento e Projeto de Ambiente Urbano)
Publicado no Diário de Aveiro de 21 de fevereiro de 2023
(Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico)