domingo, 16 de janeiro de 2022

Aveiro à espera das próximas cheias?


No passado dia 20 de dezembro de 2019, aconteceu o impensável em Aveiro! E para inquietação geral já lá vão dois anos e nada se fez, nem tão pouco se pensou para resolver o grave problema ou minimizar a grande probabilidade deste voltar a ocorrer com frequência!

Foto de 20-12-2019 - TVI

Aveiro, cidade capital de distrito e de região, esteve isolada de norte durante mais de 4 horas em de 20 de dezembro de 2019 (1), como consequência da subida das águas do Vouga que alagou duas vias rodoviárias de crucial importância para a região. A inundação da A25 (Autoestrada das Beiras Litoral e Alta) e da EN-109 (Estrada Nacional n.º109 / Estrada da Costa da Prata), resultou nos seus cortes ao trânsito e no congestionamento de todo o tráfego na rede rodoviária conectada envolvente por longas horas, resultando em transtornos e prejuízos múltiplos na região.

Imagem de 20-12-2019 - 19:00h - Google Maps

O assunto, que deveria ser delicado para os responsáveis, parece intencionalmente esquecido quando as atenções municipais e regionais se voltam para obras não prioritárias e despesistas, algumas das quais que podem inclusivamente vir a agravar ainda mais o problema. Veja-se a construção da “Ponte-Açude do Rio Novo do Príncipe” em Cacia, a qual “tem passado por muitas dificuldades ao nível do licenciamento ambiental” (2), esta não leva em consideração os possíveis efeitos agravantes aos já existentes gerados pelas estradas com efeito de dique durante os períodos de grandes cheias do Vouga na zona entre Cacia e Angeja (A25 e EN-109).


Mapa altimétrico do Baixo-Vouga e estradas de atravessamento sobre aterro (EN209 e A25).


É amplamente sabido pelos habitantes do Baixo-Vouga que os aterros ambientalmente criminosos feitos na construção da A25, vieram criar problemas inexistentes, aumentando os níveis de cheia a montante e consequentes prejuízos não só às habitações das zonas mais baixas de Taboeira e Angeja (sem anterior historial de cheias), mas também em muitas atividades económicas da capital do distrito e da região! A promessa da Barragem de Ribeiradio não valeu de coisa alguma(3), e com a nova obra agora anunciada, o problema pode vir a agravar-se ainda mais!

Segundo informação pública, a construção da nova ponte-açude tem como objetivo “travar o avanço da cunha salina e assegurar a disponibilidade de água doce para fins industriais“(4), contudo parece esquecer tudo o resto! Não se conhecem estudos sobre os impactos que as estradas com efeito-dique A25 e EN-109 tiveram no avanço da cunha salina desde a sua construção, os quais poderiam vir a revelar a existência de melhores soluções alternativas para o problema. À luz das melhores práticas de engenharia (já antigas) e das leis vigentes, estas duas rodovias construídas sobre aterro já deveriam ter obrigado a equacionar-se urgentes obras de generoso aumento das passagens hidráulicas em toda a extensão dos aterros que foram executados sobre zona inundável! Tal intervenção tornaria possível reduzir os danos ambientais presentes e eliminar futuras inundações e cortes destas vias estruturantes e vitais da região, e ainda melhorar o “espraiamento” da água doce das cheias em toda a extensão do Baixo-Vouga a jusante destas duas barreiras.

As repetidas notícias de projeções científicas que alertam para que as inundações e outros eventos extremos vão aumentar nas próximas décadas de forma "sem precedentes" em magnitude, frequência, localização ou época, não têm colhido uma responsável atenção dos políticos da região! Será que na região de Aveiro apenas se tomarão verdadeiras medidas, quando uma catástrofe de magnitude inesperada ocorrer?! Será mesmo necessário acontecer alguma fatalidade?!

Esperemos que não seja necessário haver mortes para ser anunciada uma candidatura aos cerca de 14 mil milhões de euros da “bazuca europeia” que vão ser distribuídos por vários projetos em Portugal, para uma obra correção hidráulica e ambiental para o Baixo-Vouga nas “estradas-dique” A25 e EN-109, e que seja apenas a esperança a única a morrer...!


Referências:
(1) www.cm-aveiro.pt/municipio/comunicacao/noticias/noticia/mau-tempo-acessos-cortados
(2) www.diarioaveiro.pt/noticia/77695
(3) www.diarioaveiro.pt/noticia/52168
(4) zero.ong/construcao-de-novo-acude-no-rio-vouga-nao-preve-passagem-para-peixes-e-coloca-em-risco-a-conservacao-de-peixes-migradores/


Manuel Teixeira, urbanista
(mestre Planeamento e Projeto do Ambiente Urbano)




Publicado no Diário de Aveiro de 13 de janeiro de 2022
(Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico)