sexta-feira, 24 de julho de 2015

Movimento temporário de pessoas

Em Aveiro, o turismo ainda continua a ser, mais um movimento temporário de pessoas, do que o seu estado de permanência, desejavelmente prolongado.


Para facilmente se perceber a dimensão destas palavras, basta escolher apenas três operadores marítimo-turísticos ao acaso da dezena que se encontra a laborar nos canais da cidade, e, experimentar-se fazer as três viagens numa mesma tarde.

Espante-se! – quase parece que se visitou três cidades diferentes em menos de três horas…

Ouvem-se, desde as mais belas e inspiradas descrições semânticas da paisagem urbana que dali se vislumbra, até aos mais bizarros trechos narrativos dignos dos melhores filmes de ficção, laboriosamente dobrados em vários idiomas, onde não falta sequer o mais regional e retinto vernáculo – marnotos e varinas em versão moderna, alguns importados, verdadeiros autodidatas da polifonia, genuínos retóricos da Ria, da Cidade, da sua História e, sobretudo, das suas estórias.
Abstenho-me de aqui reproduzir “algumas das mais belas passagens”, ora para não estragar o efeito surpresa daqueles que ainda não navegaram na experiência, ora para não ferir, eventualmente, a suscetibilidade de quem tão genuinamente as proferiu, candidamente convicto de majestoso serviço prestado à cidade e à região.

Esta jocosa viagem fluvial, não deixa de ao mesmo tempo, navegar em tragédia, pois estas gentes dão o que de melhor que têm, sem porém conhecerem a verdadeira dimensão do que podem fazer pela sua terra e região, isto, se devidamente munidos de verdadeiros lemes que lhes orientem sábio discurso, não para erráticas águas, mas para um mesmo rumo comum, culminante em porto seguro de bonança e fartura duradouras.
Falo da necessidade urgente das entidades com competências na matéria promoverem a redação de um criterioso discurso-guia que valorize condignamente (e economicamente) as viagens, a ser seguido com rigor pelos guias dos vários operadores! Associado, deverão ser promovidas as respetivas ações formativas - a regulação não pode ficar só pelas taxas e concessões, há serviço a prestar à comunidade, a bem da sua economia e das suas gentes!

Um destino que tanto tem para oferecer, continua emaranhado em efémeros panfletos, desdobráveis e sites intermitentes, resultantes das boas vontades, dos louváveis esforços de instituições e das forças vivas da terra, que tão laboriosamente lutam contra a pouco expedita “governação articulada” de tão vasta oferta. Será que o Turismo do Centro e o Aveiro Welcome Center se olham entre margens do Canal Central como que cagaréus e ceboleiros desavindos, quiçá à espera conciliar esforços e inovações para uma década vindoura?

A congregação esforços e competências de articulação, de âmbito regional e municipal, numa única estrutura (eventualmente participada por vários organismos), deveria constar das reclamações dos aparentemente pouco exigentes agentes económicos, no sentido de se ambicionarem políticas turísticas locais sustentáveis e inovadoras, orientadas para uma maior valorização da exploração dos recursos existentes, devidamente integrada, em prol da geração de maiores efeitos multiplicadores, tão desejados.

O investimento que urge, não é de grande monta, e tão pouco de pouco betão! Ainda muito falta à visão, à estratégia, à produção de conteúdos - “os verdadeiramente úteis”-, aos procedimentos rotineiros de atualização desses conteúdos, e à mais da elementar formação profissional dos agentes – “prática e cirurgicamente orientada”!

Se institucional vontade houvesse, Aveiro poderia mesmo vir a ambicionar ter um “posto de turismo flutuante”, em cada uma das embarcações típicas da Ria de Aveiro dedicada aos passeios turísticos e em cada trabalhador um verdadeiro embaixador do turismo local e regional – divulgando criteriosamente a história, o património e todos os outros atrativos, aos cerca de 200 milhares (2012) de turistas anuais, que atualmente saem das embarcações sem a devida noção do quanto mais ainda há para visitar na região (praias, parques de natureza, paisagens, caves vínicas, gastronomias, termas, museus, património artístico, arquitetónico, religioso e arqueológico, etc.).

Também a integração da bilhética turística – incluindo bilhética de grupo e de operadores turísticos - deverá constituir outra ambição prioritária, promovendo descontos crescentes em função do número de atrações turísticas visitadas na região. Se tal se vier a concretizar, a cidade e a região de Aveiro poderão ganhar mais tempo de estadia dos seus turistas, garantindo mais umas horas para adicional almoço, jantar ou dormida... O turismo, os seus empreendedores, os seus trabalhadores, a cidade e a região, todos ganharão.



Por fim, se nos lembrarmos que “combater a sazonalidade e aumentar a estadia média constituem desafios institucionais para o turismo na nossa região”, porque não começar a ponderar-se a criação de uma doca de embarque coberta (ou a revitalização para o efeito da que fica junto ao Cais do Paraíso e que se encontra em estado avançado de degradação), devidamente associada a um design adequado para barcos panorâmicos cabinados renderem os mais típicos (entre outras soluções), durante a longa e chuvosa invernia?

Quem sabe no futuro, o “movimento temporário de pessoas” venha dar lugar a uma verdadeira “demorada estadia temporária de pessoas”, na nossa cidade e na nossa região…!

(Publicado no Diário de Aveiro em 25 de Julho de 2015)
Texto escrito conforme o Acordo Ortográfico

Manuel Teixeira,
23 Julho 2015