Um exemplo: uma assinatura mensal em transporte público na Linha do Norte pode custar 57% mais, se um cidadão se deslocar de Aveiro para um município a sul, em vez de para um município a norte, os mesmos 28 km.
Outro exemplo: um mesmo cidadão da região, com exatamente o mesmo perfil laboral numa autarquia (carreira profissional, competências, funções, vencimento), pode ganhar menos 13% por hora em função da taluda geográfica – dado que sem qualquer outro critério inteligível que não o meramente político, o trabalho semanal rifa nas 35 horas ou nas 40 horas semanais. Naturalmente que as vozes mais astuciosas dirão que cabe ao governo esclarecer sobre as acidentadas interpretações do assunto. Por outras palavras, uma coisa é certa, desde que a medida das 40 horas semanais entrou em vigor em agosto de 2013, existem dois trabalhadores na região, iguais, mas com tratamentos desiguais, um já trabalhou desde essa data 11 meses (a 35h/semana) enquanto o outro teve um agravamento de 14%, equivalendo o mesmo periodo a 12,5 meses de trabalho (a 40h/semana). Se houvesse alguma razão de natureza gestionária percetível (incentivo à fixação laboral em territórios periféricos, aposta nos serviços públicos específicos, reforço de serviços turísticos alargados, etc.), o cidadão certamente saberia honrar a determinação de forma respeitosa.
Estes são apenas dois exemplos de desigualdades não expetáveis, não inerentes aos maiores ou menores índices de interioridade decorrentes da localização específica de cada município no território regional. O problema está nas inexplicáveis discrepâncias ocorridas num território que se pretende unitário enquanto entidade geográfica regional e em busca da sua afirmação nacional através de uma identidade própria.
Pretende-se assim com esta simples tentativa de contributo cívico, procurar sensibilizar as mentalidades com responsabilidades, para a evidência de que não poderá haver uma apreensão dessa identidade regional pelos seus cidadãos, enquanto não houver uma ação conjunta e concertada em torno da defesa de desígnios comuns - os quais incluam obrigatoriamente o tratamento igualitário dos seus cidadãos. Nesse sentido, importa romper com uma tradição na qual a região tem sido subserviente de lógicas setoriais nacionais, assumindo uma postura negocial mais forte a nível regional e nacional, isto se a ambição é afirmar-se enquanto região metropolitana nacional, europeia, solidária, coesa, dinâmica e inovadora.
No passado dia 16 de julho, realizou-se no Salão Nobre da CIRA, a apresentação pública do Plano Intermunicipal de Mobilidade e Transportes da Região de Aveiro (PIMTRA) o qual integra um vasto trabalho de análise e diagnóstico do estado dos transportes públicos e da mobilidade na região. Desse trabalho, muito positivamente promovido pela CIRA, resultou um programa de execução que hierarquiza as áreas prioritárias e esforços necessários realizar nos próximos anos, onde destaco com exultação especial uma proposta chave, a implementação de “pacto de mobilidade” entre municípios, devendo todos as ações e investimentos futuros integrar a componente da sustentabilidade económica e passarem sempre pelo crivo do dito pacto.
Aproveito para aqui deixar a esperança e lembrança pública para que esse pacto se estenda a outras áreas fundamentais da governação regional e autárquica. Tal como foi travado o anunciado fatídico fecho da Linha do Vouga na região, quem sabe não seja também possível retroceder nalgumas decisões já tomadas para investimentos futuros (escolas, parques de ciência e inovação, equipamentos culturais, etc., em zonas virgens de transportes públicos...), os quais contrariam em larga medida o espírito, já por vários elogiado, da sustentabilidade e racionaliodade económicas presente no PIMTRA. Acrescente-se ainda da urgente tomada de consciência política de que, para além de se dever ajustar (e bem), os sistemas de transportes aos usos do solo, deve, também na mesma medida, adaptar-se os usos do solo ao sistema de transportes que já está bem enraizado no terreno.
A bem da racionalização económica dos recursos escassos e da aproximação crescente à autossustentabilidade dos sistemas, os nossos autarcas deverão resistir à tentação imediatista de edificar equipamentos e infraestruturas (geradoras de passageiros) nos baratos solos agrícolas e florestais periféricos e começarem a contribuir para sustentabilidade dos sistemas futuros, reforçando assim as centralidades territoriais e as linhas de transportes públicos preexistentes (com enfase para as linhas férreas). Deverão, por fim, resistir ao bairrismo habitual de cada município possuir o seu equipamento igual entre iguais, sempre que redundante, sobredimensionado e competidor por recursos regionais insuficientes. O desígnio da sustentabilidade deverá integrar uma lógica cumulativa regional, para se passar a assumir uma verdadeira postura responsável potenciadora de complementaridades.
A melhor maneira de prever um bom futuro para a região é ajudar a criá-lo.
Manuel Teixeira"
(enviado para publicação no Diário de Aveiro a 20 de julho de 2014)